História


O tratamento de grandes lesões e extensas perdas cutâneas em pacientes traumatizados sempre foi um desafio para nós, cirurgiões. Os retalhos cutâneos microcirúrgicos, considerados como padrão ouro para o tratamento desse tipo de lesão, vêm sendo cada vez mais aprimorados ao longo dos anos. Além do refinamento técnico na execução dos retalhos consagrados, novas áreas doadoras no corpo humano estão sendo descobertas e exploradas como fontes seguras.


Os treinamentos constantes e aprimoramentos das técnicas microcirúrgicas propiciam maior sucesso na execução dos retalhos e diminuem o índice de perda desses tecidos. Por tudo isso, é bastante natural que olhemos, durante tantos anos, somente na direção dessa possibilidade de tratamento para as grandes perdas cutâneas.



Acontece que pelo fato de estarmos nos tornando mais habilidosos e assertivos na execução dos procedimentos microcirúrgicos, nos sentimos encorajados a buscar uma área doadora cada vez mais distante do local da ferida.


Necessariamente, precisamos parar e pensar se estamos na direção correta, sobretudo por estarmos em alta velocidade nesse caminho.


Entendi que toda vez que eu iniciava um procedimento cirúrgico por uma área não lesionada, que seria utilizada por mim como doadora de pele para a região de fato acometida, eu estava colocando ambas em risco. Além disso, eu estava infringindo um princípio básico da medicina, que diz: Primeiro, não prejudique! Depois, ajude, se for possível. Com esse pensamento, somado à minha sensação de desconforto toda vez que eu iniciava o tratamento de uma lesão incisando uma área íntegra do mesmo corpo, ficou claro pra mim que eu estava caminhando na direção oposta. Diante disso, eu precisava encontrar uma forma de intervir somente na área lesionada do meu paciente.


De tanto pensar, buscar e pedir por essa solução, fui iluminado por Deus e guiado, quase que de forma instantânea e inusitada, para a solução que denominei de Técnica de Figueiredo. Ela privilegia exatamente a força e a capacidade regenerativa do nosso próprio organismo. Os resultados são tão impressionantes quanto inacreditáveis. Agora estou certo de que fui recompensado por não me conformar e por insistir na busca de uma solução mais fisiológica que fizesse mais sentido e caminhasse junto com os princípios da medicina, sobretudo reconhecendo, respeitando e valorizando as ferramentas orgânicas, mais do que a nossa capacidade de intervir.


Pelo fato de eu coordenar e compor uma equipe de especialistas em cirurgia da mão e microcirurgia que atua em hospitais públicos e privados, referências para o atendimento de pacientes politraumatizados e acidentados no trabalho, frequentemente tratamos lesões complexas e extensas perdas cutâneas. Diante disso, pudemos observar, ao longo dos anos, os resultados das diferentes técnicas empregadas para o tratamento dessas desafiadoras lesões, tanto em MMSS quanto em MMII.


Observei que as lesões menos profundas, cujas cicatrizações ocorriam por segunda intenção, apresentavam um resultado estético final excelente, justamente porque se preservavam as características do local da lesão. Os outros métodos transferem as características da área doadora para a área receptora, alterando sobremaneira o aspecto estético de ambas.


Procurando atuar somente no foco da lesão e entendendo que o caminho era a cicatrização por segunda intenção, restava encontrar a saída para lesões mais profundas, em que havia exposição de estruturas nobres, que necrosariam caso não fossem cobertas em tempo hábil.


Obviamente, o organismo precisa de proteção para que possa realizar as etapas de cicatrização em seus tempos naturais, sem que as estruturas subjacentes sofram um processo de desidratação e morte celular.


No meu entendimento, essa estrutura protetora não poderia ser definitiva, orgânica ou passível de absorção pelo organismo. Por esse caminho de pensamento, a cobertura ideal não poderia ser retirada do próprio corpo do paciente.


Assim, fui iluminado pela ideia de proteger uma lesão em polpa digital, com a mesma prótese inorgânica, que eu utilizaria para substituir a unha perdida no trauma, bastando alongá-la o suficiente. Fixei a prótese no sulco ungueal, conforme procedimento habitual, deixei-a mais comprida e suturei-a nos bordos íntegros da lesão da polpa digital. Dessa forma, conferi proteção inabsorvível e promovi a retenção do exsudato, mantendo hidratadas e viáveis as estruturas subjacentes antes expostas.


Pelo fato de a prótese de polipropileno ser translúcida, tornou possível vigiar e acompanhar as fases evolutivas do processo de cicatrização que ocorria sob essa camada. A primeira vantagem observada de imediato foi a ausência de dor, que contribuiu para a aceitação pelo primeiro paciente, que vinha sofrendo durante os curativos seriados a que estava sendo submetido.


A segunda vantagem foi o fato de que a reação inflamatória ao redor da ferida cessou em poucos dias, mostrando que algo claramente positivo estava acontecendo.


O terceiro ponto a favor é que o tecido de granulação, visível sob a prótese, conferia o retorno do formato anatômico da polpa digital. Ao final da sexta semana, tempo em que habitualmente retiramos a prótese (quando ela está sendo utilizada com o único objetivo de tratamento do leito ungueal), ocorreu epitelização completa da lesão cutânea.


Com esse desfecho absolutamente positivo, entendi que o segredo estava no fato de se conferir proteção inorgânica à cicatrização por segunda intenção. Pelo fato de o polipropileno, historicamente, já ser usado em procedimentos de cirurgia da mão, bem como em outras especialidades como cirurgia geral, cirurgia plástica e otorrinolaringologia, concluí que seria a escolha mais segura.


Após esse primeiro caso de sucesso, escolhi outros pacientes com o mesmo tipo de lesão e perfil colaborativo, obtendo resultados homogêneos, em um intervalo de tempo constante, e evidenciando um padrão de cicatrização por segunda intenção de forma protegida.


Com o passar do tempo, passamos a realizar o mesmo tratamento em lesões maiores, em diferentes regiões do corpo, obtendo resultados espetaculares e homogêneos, tanto estéticos quanto funcionais.


Estava lançado o princípio da Técnica de Figueiredo para o tratamento de extensas perdas cutâneas: proteção inorgânica à ferida enquanto o próprio organismo realiza o seu processo de cicatrização por segunda intenção.